A humanização em saúde foi pauta central de incidência da Arte Despertar nos últimos anos. Em sua essência, as políticas e práticas de humanização buscam valorizar os usuários, trabalhadores e gestores na produção da saúde. Perspectiva que desde 2003, se consolidou no Brasil a partir da Política Nacional de Humanização (PNH) que orienta as ações do Sistema Único de Saúde e estabelece um conjunto de princípios e diretrizes:
- Transversalidade:
- Indissociabilidade entre atenção e gestão
- Protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e coletivos
- Acolhimento
- Gestão participativa e Cogestão
- Ambiência
- Clínica ampliada e compartilhada
- Valorização do Trabalhador
- Defesa dos Direitos dos usuários
A Arte Despertar e a Humanização em Saúde
A Arte Despertar, nesse amplo contexto de inovações em saúde propostas pela PNH, concentra-se especialmente em dimensões relacionais acolhimento, considerando-o como complementar às demais diretrizes, integrando a seus trabalhos a atenção à aspectos da ambiência e valorização do trabalhador.
O conceito se baseia em princípios da escola humanista do pensamento, fundamentada na crença na capacidade do homem de arbitrar sobre o que fazer e transformar a realidade. Portanto a humanização em saúde necessariamente se dá em processo, em relações dialógicas entre os sujeitos envolvidos. É entre os sujeitos, inclusive, que se constrói a compreensão de realidade.
A Arte Despertar entende a humanização como um valor e, a partir dessa leitura, busca promover o resgate do respeito à vida humana, a capacidade de perceber e compreender o sujeito e seu mundo, observando como cada um desenvolve sua identidade e constrói sua história de vida. Como afirmado por Rosana Junqueira Morales, Diretora Executiva da Arte Despertar de 2013 a 2023, a atenção à legitimidade das necessidades de cuidado, a construção de vínculos e relações baseadas na confiança são elementos fundamentais do acolhimento, requerendo um ambiente propício e preparo profissional que transcende a mera qualificação técnica da clínica. A cumplicidade que se estabelece possibilita a compreensão e o acolhimento de emoções e sentimentos que nem sempre correspondem às expectativas dos cuidadores. Fomentar o cuidado humanizado significa, assim, criar um ambiente de trabalho propício a relações saudáveis, em que os trabalhadores são respeitados em sua subjetividade, capacitando-os a analisar, definir e qualificar seus processos de trabalho.
O respeito aos aspectos subjetivos da relação entre profissionais de saúde e pacientes representa é um elemento fundamental no cuidado à saúde na medida em que garante escuta e o reconhecimento da singularidade e das necessidades do paciente. A humanização do atendimento propicia o estabelecimento de vínculos no ambiente hospitalar promovendo o suporte às angústias, incertezas, medos e fantasias do paciente e de seus familiares. Nessa perspectiva, a organização contribui para o equilíbrio e aceitação, à medida que contextualiza o momento de crise como uma fase da vida e não como “toda a vida”.
O atendimento com arte em hospitais
A Arte Despertar compreende que arte tem o poder de tocar nossa subjetividade em profundidade. É espaço de expressão de interação sensível com o mundo, de dar contornos tangíveis a sentimentos e sensações. As diferentes linguagens como a música e a narração de histórias constituem estímulos externos que despertam imagens, sensações e emoções ligadas a experiências já vividas e esse estado de suspensão da tensão favorece o resgate das memórias, o relato de histórias de vida e o estabelecimento de uma relação sincera entre as pessoas.
Atuar com arte no atendimento a usuários enriqueceu a abordagem da Arte Despertar na humanização em saúde, amadurecendo a compreensão das aberturas que a interação humana permeada pelo simbolismo pode proporcionar em ambientes onde o sofrimento se faz presente. Esse conhecimento é transmitido na proposta formativa oferecida aos profissionais da área, como pontua Marina Rosenfeld, consolidando o compromisso da Arte Despertar com a qualificação do cuidado.
Ao desenvolver nossa percepção sobre nós mesmos e sobre o outro somos capazes de identificar os efeitos que estímulos externos ou internos têm sobre nós e sobre nossa ação e assim estamos aptos a ampliar a leitura e compreensão das sensações, emoções, imagens, sintomas e outros sinais.
Assim, seguindo sua base teórica, a Arte Despertar escolhe utilizar a arte e a cultura para criar elementos para mobilizar nos sujeitos sua capacidade inata de reestabelecer o equilíbrio, de despertar a percepção e de desenvolver-se a partir da realidade vivida. Nas palavras de Goethe, “não existe meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte, e não há forma mais segura de se unir a ele do que a arte”. É nesse duplo paradoxal, porém não dicotômico, que a arte amplia a capacidade de conceber e olhar o mundo de modos diferentes. Essa linha de trabalho que explora o trabalho vivencial e lúdico cria situações propícias ao escape de esquemas previamente estabelecidos, desencadeando reflexões, elaborações, reelaborações, conclusões e, quem sabe, a possibilidade de modificar aquilo que provoca desconforto.
As vivências artísticas, ricas em expressão de lembranças, descrição de momentos significativos e trocas de experiência de forma verdadeira, contribuem para a promoção da potência de vida dos sujeitos e para despertar a consciência sobre os recursos de que todos dispomos.
Saiba +
Bibliografia: Política Nacional de Humanização: Cartilha didática produzida pelo Ministério da Saúde sobre a Política Nacional de Humanização. Apresenta os princípios e diretrizes da política e a Rede HumanizaSUS.
O atendimento da Arte Despertar em hospitais: documento orientador: Utilizado como referência ao longo dos anos para orientar a atuação e promover a reflexão entre a equipe de arte-educadores, a Arte Despertar disponibiliza essa sistematização como contribuição para o campo ainda pouco explorado no Brasil da interseção entre arte e saúde.
Bibliografia: Arte e humanização das práticas de saúde em uma Unidade Básica: artigo de José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres e Mariana Sato, ambos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, publicado em 2015 na revista interface. O estudo apresenta contribuições filosóficas sobre um projeto de humanização baseado na arte, desenvolvido pelos profissionais de uma Unidade Básica.