Evidências sobre o papel das artes na melhoria da saúde e do bem-estar

É notável o aumento das pesquisas sobre os efeitos das artes no bem-estar e na saúde no século XXI. Este relatório do Escritório Regional da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a Europa, elaborado por Daisy Fancourt e Saoirse Finn em 2019, intitulado Quais são as evidências sobre o papel das artes na melhoria da saúde e do bem-estar?, representa um marco significativo no debate internacional sobre o tema. O documento investiga mais de 3.000[1] estudos que apontam o papel das artes em diversos campos da saúde ao longo da vida.

As evidências revisadas abrangem estudos de caso, estudos piloto não controlados, estudos de coorte longitudinais representativos nacionalmente, pesquisas transversais de pequena escala, etnografias comunitárias e ensaios clínicos randomizados abordando uma variedade de atividades artísticas em diferentes locais, desde hospitais até cuidados primários, na comunidade e em casa.

Conexões entre artes e saúde

Embora de difícil definição, as atividades artísticas podem ser consideradas intervenções complexas ou multimodais, por combinarem múltiplos componentes que compreendem: ativação sensorial, estimulação cognitiva, engajamento estético, e a evocação de emoções. A depender da atividade artística, atividades físicas, de interação social, ou com temas específicos de saúde podem estar presentes.

No estudo, as artes foram observadas sob cinco grandes categorias: artes performáticas, artes visuais, literatura, artes digitais ou eletrônicas e cultura (referente à ida a museus, festivais ou outros eventos artístico-culturais).

A saúde, por sua vez, parte da definição da Organização Mundial de Saúde (ONU) que a define como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade”[2], portanto fortemente alicerçada em aspectos culturais e sociais. Considera também avanços posteriores da percepção de saúde, que abarca capacidade de reestabelecer a homeostase física, mas também a capacidade de lidar com adversidades e buscar realizar seu potencial de autonomia e participação social.

Partindo dessa dupla perspectiva, o estudo identifica cinco âmbitos de resposta à interação artística:

  • Psicológico: como por exemplo o aumento da capacidade de compreender e lidar com as próprias emoções e fortalecimento da autoeficácia;
  • Fisiológico: tais como a diminuição da resposta hormonal ao estresse, aprimoramento das funções imunológicas e maior reatividade cardiovascular
  • Social: por exemplo, a redução do isolamento e da solidão, aumento do contato e do suporte social, melhoria de comportamentos sociais.
  • Comportamental: como o aumento das atividades físicas, desenvolvimento de novas habilidades, adoção de comportamentos mais saudáveis.

Os resultados identificados pelo estudo estão categorizados em dois grandes eixos: Promoção & prevenção, e Manejo & Tratamento.

Temas e subtemas abordados

Há uma sessão para cada subtema, em que são elencados os estudos que os endereçam especificamente, e indicados os principais resultados dos benefícios observados mediante a realização de intervenções artísticas com o intuito de promover o cuidado em saúde

Tradução nossa da figura 2.”Thematic content for prevention and promotion and management and treatment”, apresentada em na página 8 do relatório tema deste texto: Fancourt D, Finn S. What is the evidence on the role of the arts in improving health and well-being? A scoping review. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2019 (Health Evidence Network (HEN) synthesis report 67).

Destaques entre os achados da pesquisa

  • Existe um conjunto substancial de evidências sobre os benefícios das artes para a saúde, elaborados sob diversas metodologias e escopos de pesquisa. No geral, as conclusões conferem credibilidade à afirmação de que a base de evidências global mostra impactos das artes na saúde física e mental.
  • A arte é vista como promissora para endereçar problemas complexos, para os quais não há soluções simples e definitivas, como por exemplo no manejo de pessoas com condições crônicas.
  • Há indicativos de eficácia das intervenções artísticas como campo com relação custo-eficácia equivalente ou superior a outro tipos e intervenção em saúde, uma vez que endereça múltiplos fatores na promoção da saúde. Indica também este como campo a ser aprofundado em futuras pesquisas.
  • A dimensão estética como espaço privilegiado para acesso a grupos sociais de diferentes origens culturais, grupos minoritários ou de baixo poder econômico, cujos problemas de saúde são agravados por determinantes sociais.


A Arte Despertar e o papel das artes na melhoria da saúde

A Arte Despertar, ao longo de sua atuação, encontra-se intrinsecamente alinhada com diversas recomendações políticas destacadas no relatório sobre o papel das artes na melhoria da saúde e do bem-estar.

Reconhecimento da base de evidências das artes na melhoria da saúde e bem-estar: o relatório aponta para o potencial de apoio a intervenções com evidências substanciais, como o uso de música para pacientes pré-cirurgia e programas comunitários de artes para saúde mental. Essa abordagem respaldada por evidências é essencial, e a Arte Despertar destaca-se na implementação de intervenções artísticas, como o uso estratégico da música em hospitais, compartilhando práticas eficazes entre países e contribuindo para a disseminação de conhecimento em diversos contextos.

Reconhecer o valor acrescentado para a saúde pelo envolvimento com as artes: o relatório enfatiza a importância de garantir acesso a formas de arte culturalmente diversas para grupos diversos, especialmente minorias desfavorecidas. A Arte Despertar assume essa prioridade ao incentivar organizações artísticas a integrar a promoção da saúde e do bem-estar em seu trabalho estratégico. Destaca-se também o papel crucial da Arte Despertar na promoção dos parceiros institucionais e beneficiários sobre benefícios do envolvimento artístico para a saúde. A formação abrangente dos profissionais da Arte Despertar, compartilhando repertórios amplos e promovendo o vínculo na interação com profissionais da saúde, reforça o compromisso da organização com a construção de proximidade nas estratégias cotidianas de cuidado ao paciente.

Abordagem Intersetorial: a abordagem intersetorial é uma característica fundamental na atuação da Arte Despertar, alinhada à recomendação de fortalecimento de colaborações entre os setores de cultura, assistência social e saúde. Segundo o relatório, no campo das políticas públicas, tal abordagem  compreende também a inclusão de referências de saúde em programas artísticos, como esquemas de prescrição social, e apoiar a inclusão da educação artística e humana na formação de profissionais de saúde para aprimorar suas habilidades clínicas e de comunicação. Destaca-se a inserção da arte como elemento na formação de profissionais de saúde, como dimensão explorada pela Arte Despertar nas formações para Humanização em saúde.

Saiba +
Bibliografia: The Impact of Arts and Cultural Engagement on Population Health: Relatório publicado em 2023, conduzido pela mesma pesquisadora, Dra Daisy Fancour. Apresenta resultados de estudos longitudinais realizados entre 2017 e 2017 de investigação da University College London, onde esta leciona. Este relatório tem características metodológicas e de escopo que foram identificadas lacunares no relatório da OMS de 2019, no qual a maior parte das evidências era oriunda da estudos de escala relativamente pequenas com objetivos pontuais. Neste recente relatório, são explorados resultados do envolvimento nas arte de um amplo conjunto de pessoas do Reino Unido e Estados Unidos, e os benefícios na saúde a longo prazo. Trata-se de um novo marco nos estudos do campo.


[1] O relatório utilizou uma metodologia de revisão de escopo e mapeou a literatura acadêmica nos idiomas inglês e russo publicadas entre janeiro de 2000 a maio de 2019. Foram identificadas mais de 900 publicações, as quais com mais de 200 revisões – revisões sistemáticas, meta-análises e metassínteses cobrindo mais de 3.000 estudos – e mais de 700 outros estudos individuais.

[2] Constitution of the World Health Organization. New York: United Nations; 1948

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